domingo, 15 de setembro de 2013

Guillaume de Conches: natureza e ciência no século XII




"Deus governa o mundo por intermédio da ordem natural."

GUILLAUME DE CONCHES (1080-1150 D.C.)


Edward Grant, em seu "The Foundations of Modern Science in the Middle Ages" apresenta um retrato interessante do panorama intelectual dos séculos XI e XII. Nessa época, pouco antes do grande empreendimento de traduções que tornou conhecida quase a totalidade obra de Aristóteles, os pensadores tinham a seu dispor muito pouco da tradição filosófico-científica clássica. 

Mesmo assim, esses intelectuais lançaram as bases para o renascimento intelectual dos séculos XII e XIII. E o centro de suas preocupações se encontrava no conhecimento científico. 

Munidos de pouco mais do que algumas enciclopédias latinas, alguns tratados de matemática, partes traduzidas para o Latim do Timeu de Platão e o Periphyseon de Scotus Eriugena, pensadores como Adelard de Bath, John de Salisbury e Guillaume de Conches formularam as bases de uma concepção de natureza que permitia o estudo do mundo criado sem a intervenção direta de conteúdos teológicos. Em post anterior tratamos das concepções de Adelard de Bath*. 

Segundo Grant, o ponto central dessa concepção da natureza é a ideia de que Deus criou o mundo e conferiu à natureza o poder de causar coisas. Os objetos naturais têm todos, então, a capacidade de agir uns sobre os outros sem nenhuma necessidade de uma intervenção direta de Deus. Criados com tais capacidades, nada impede que o homem possa conhecê-los por meio da pesquisa racional.

O Cosmos é um Todo harmônico, bem regulado e racional a tal ponto que alguns pensadores chegam a denominá-lo com a sugestiva expressão machina. A natureza tem um curso comum que pode ser interrompido pela vontade divina, em uma intervenção milagrosa, mas que não depende d'Ele para operar segundo seu modo normal. O mundo, por conseguinte, está repleto de causas segundas que operam segundo suas naturezas específicas, criadas pela causa primeira, Deus.

Ao homem cabe, segundo Guillaume de Conches, estudar e conhecer as leis da natureza, uma nobre tarefa que amplia o conhecimento da criação divina. À razão humana é concedida uma esfera autônoma de investigação e para a qual a filosofia será o instrumento por excelência e não as Escrituras.

Obviamente, nem todos viam com bons olhos tanta liberdade e tanto interesse no mundo natural. Alguns francamente desaprovavam esses novos ventos e, contra eles, Guillaume de Conches escrevia:

"Ignorantes eles mesmos das forças da natureza e ansiando por companhia em sua ignorância, eles não desejam que se investigue nada. Querem que acreditemos como camponeses e não perguntemos a razão por trás das coisas. Mas nós dizemos que a razão por trás de tudo deve ser buscada."

A atitude de pensadores como Guillaume de Conches e Adelard de Bath antecipa muito do modo de pesquisa racional que será amplamente implementado no currículo das universidades medievais. Audaciosos que fossem tais intelectuais, seus sucessos ainda são modestos devido à ausência de fontes científicas clássicas. Mas quando estas finalmente chegam à Europa Ocidental traduzidas para o latim, acontece um renascimento cultural cuja vivacidade legará para as futuras gerações as obras de gênios como Alberto Magno, Tomás de Aquino, Boaventura de Bagnoreggio, John Duns Scot, Nicolas Oresme e Jean Buridan.

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