terça-feira, 19 de julho de 2016

Aristóteles, Tomás de Aquino e a demonstração da esfericidade da Terra


                           Bartholomeu Anglicus, De Proprietatibus Rerum, séc. XIII

"As ciências são diferenciadas de acordo com as diferentes naturezas das coisas cognoscíveis. Pois o astrônomo e o físico podem provar a mesma conclusão, por exemplo, que a Terra é esférica. O astrônomo o faz por meio de matemática (isto é, por abstração da matéria), mas o físico por meio da própria matéria."

TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, Parte 1, Questão I, Artigo I, resposta à segunda objeção


A demonstração da esfericidade da Terra no tratado Sobre os Céus, de Aristóteles, se dá em dois momentos, de acordo com considerações de duas ciências diferentes: a Física e a Astronomia. Do ponto de vista da Física, Aristóteles considera as leis e tendências intrínsecas dos movimentos dos corpos. Do ponto de vista da Astronomia, Aristóteles considera os movimentos aparentes dos astros e suas implicações.

A Física trata da natureza dos entes móveis, isto é, de tudo aquilo que passa por mudança, seja de ordem qualitativa ou de ordem quantitativa. O alcance teórico-explicativo da Física, portanto, vai além da mera locomoção espacial, estendendo-se a toda e qualquer modificação que um ente pode sofrer no tempo. A perda ou a aquisição de uma qualidade é mudança ou movimento tanto quanto o deslocamento de um corpo de um ponto a outro do espaço.

As mudanças e os movimentos têm suas razões de ser na constituição intrínseca dos corpos. A gravidade, o que define a natureza dos chamados corpos graves, isto é, a qualidade dos corpos que naturalmente inclinam-se para o centro da Terra em movimento retilíneo, é a razão pela qual testemunhamos o retorno dos corpos ao chão quando os soltamos no ar. O repouso, por seu turno, não é outra coisa senão o lugar natural desses corpos, a finalidade a que se inclinam quando dali são retirados por uma ação externa.

Tendo isso em mente, Aristóteles primeiramente explica a esfericidade da Terra por meio desses princípios da Física. Suponha-se que a Terra tenha formado-se a partir de pedaços separados que juntaram-se em um processo no tempo. Dado que os corpos graves inclinam-se naturalmente ao centro, os "pedaços" formadores iriam buscar o centro e, nesse movimento, comprimir-se-iam até o centro ser alcançado.

Não importa, assevera Aristóteles, se os pedaços foram "distribuídos" de modo desigual nas extremidades. Em caso positivo, a massa resultante seria similar em cada lado, pois se uma igual porção é adicionada em cada lado, a extremidade do todo será equidistante do centro. Isto é, o todo será esférico. Em caso negativo, sendo as porções desiguais, a mesma esfericidade resultaria, pois as partes maiores, dirigindo-se ao centro por força de sua inclinação natural, encontrando uma porção menor no caminho, necessariamente a forçariam ao centro até que este fosse atingido.

A esfericidade da Terra também pode ser demonstrada por meio da observação comum do movimento dos corpos. Dado que os corpos graves dirigem-se à Terra sempre em ângulos iguais e dado que eles não o fazem paralelamente, tal seria o tipo de movimento esperado de corpos que se dirigissem a algo naturalmente esférico. 

Explica Tomás de Aquino em seu comentário ao Sobre os Céus:

"E ele [Aristóteles] diz  que todos os corpos graves, a partir de qualquer região dos céus a que eles sejam movidos, são transportados para a terra 'em ângulos semelhantes', isto é, de acordo com ângulos retos formados pela linha reta do movimento do corpo com uma linha tangente à Terra (o que é evidente pelo fato de que os objetos graves ​​não permanecem firmemente na terra a menos que eles sejam perpendiculares à ela). Mas os corpos pesados ​​não são transportados para a Terra 'lado a lado', ou seja, de acordo com linhas paralelas. Ora, tudo ordena-se ao fato de que a Terra é naturalmente apta a ser esférica: porque os corpos graves ​​têm semelhante inclinação ao lugar da Terra não importa de que parte do céu eles sejam liberados. E, assim, há uma aptidão para adições à Terra serem feitas de forma semelhante e igual em todos os lados, o que faz com que ela seja de forma esférica. Mas se a Terra fosse naturalmente plana em sua superfície, como alguns afirmaram, os movimentos dos corpos graves ​​dos céus para a terra não seriam de todos os lados em ângulos semelhantes. Portanto, a terra deve ser esférica ou ser 'esférica por natureza.'"

Alguém poderia objetar que a superfície da Terra possui irregularidades como depressões e montanhas e que isso milita contra a tese da esfericidade. Tomás de Aquino responde a essa objeção afirmando que essas irregularidades são fruto de causas acidentais e não daquilo que pertence à Terra enquanto tal. Em suas palavras:

"Mas tais [irregularidades] surgem de alguma causa acidental e não daquilo que pertence per se à Terra. Nem este montante apresenta uma quantidade apreciável em relação à toda a Terra, como foi dito acima. Agora, deve-se dizer de cada coisa como é segundo a sua natureza e não como ela é por causa de alguma causa violenta ou sobrenatural. E, portanto, embora por acidente a Terra possa não ser perfeitamente esférica devido a alguma casualidade, no entanto, porque é naturalmente susceptível de ser de forma esférica, ela deve, absolutamente falando, ser chamada esférica."

Apresentadas as razões de ordem física, Aristóteles passa às razões de ordem astronômica. A Astronomia é uma ciência média, ou seja, uma ciência que está entre a Física e a Matemática na gradação das ciências teóricas, segundo o filósofo macedônio. O seu objeto de estudo material são os movimentos aparentes dos astros, entes físicos dos quais só temos experiência do que deles se apresenta à distância ao sentido da visão.

A Astronomia, por outro lado, utiliza formalmente a Matemática para calcular os movimentos dos astros. Evidentemente, não se trata de Matemática pura e sim de aplicação de expressões matemáticas a um conteúdo da experiência empírica. Sendo assim, ela é uma ciência com um objeto de estudo empírico tratado de forma matemática. Ou ainda, a Astronomia é o tratamento matemático daquilo que se pode observar e inferir do comportamento manifesto dos astros.

As evidências dos sentidos corroboram a tese da esfericidade da Terra, pois como o eclipse lunar apresentaria sempre seguimentos curvos? Dado que é a sombra da Terra que é projetada na superfície da Lua e que ela apresenta-se curva, resta evidente que a Terra é esférica.

A observação das estrelas também indica que a Terra é esférica e que, além disso, ela não é grande em tamanho. Os sentidos atestam o fato de que uma pequena mudança de posição do observador na Terra muda a posição das estrelas no manto do céu. Se alguém, ao mover-se seja para o norte ou seja para o sul, ao mesmo tempo em que observa os céus, percebe claramente uma grande mudança no cenário celestial.

Estrelas vistas no Egito e em Chipre não são vistas nas regiões mais ao norte. Semelhante efeito só se explica pela esfericidade da Terra. Ao mesmo tempo, mostra-se que a circunferência da Terra não é muito grande, pois se o fosse, uma pequena mudança de posição na sua superfície não acarretaria uma mudança significativa na disposição das estrelas no céu.

Por fim, Aristóteles argumenta a favor da esfericidade afirmando que matemáticos de seu tempo calcularam a circunferência da Terra em 400.000 estádios, o que indicaria, a seu ver, tanto que a Terra é esférica como também que ela é pequena em comparação com as estrelas. Tomás de Aquino, em seu comentário, informa que matemáticos posteriores, com meios mais precisos de cálculo, diminuíram a circunferência da Terra para 180.000 estádios, como atesta Simplício. A sua pequenez relativa fica ainda mais evidente, acrescenta Tomás, quando se tem em conta que matemáticos provaram que o Sol é 170 vezes maior que a Terra.

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Leia também:

http://oleniski.blogspot.com.br/2011/09/terra-chata-idade-media-e-idade-das.html
http://oleniski.blogspot.com.br/2012/07/terra-chata-idade-media-e-idade-das.html

2 comentários:

Clauver Sousa disse...

Quanta baboseira reunida, é preciso mesmo mais fé para crer nisso, do que para acreditar na criação. Ainda por cima a mesma dificuldade que os antigos tinham para precisar o formato da terra, supondo, considerando, e querendo explicar com suas fórmulas matemáticas, ainda está presentes hoje, esse abismo a ciência nunca transpôs, e antes que se diga que há imagens da NASA, para provar a esfericidade, que é ensinada nas escolas como fato, antes deveríamos mesmo nos debruçar sobre a veracidade de tais imagens, e das muitas mentiras e fraudes dessa agência o longo dos anos. Coitado de Tomás, sendo colocado dentro de esquema que jamais foi seu escudo, e nunca fez parte de suas pretensões. O presentismo tende a ver tudo com uma inclinação relativa, e, portanto, dá valores hodiernos ao que jamais passou originalmente na mente dos escritores antigos.
Não tendo outro parâmetro confiável, não posso coadunar com as afirmações de meia dúzia de pessoas que a partir de um paradigma dominante dizem o que dizem, sem comprovação, isso mesmo, sem comprovação empírica, só com argumentação te´rica e matemática.

Rogério da Costa (Oleniski) disse...

Amigo, geralmente não respondo a comentários ditados pela bile, mas acho que algumas observações serão úteis.

1 - Se você tivesse lido o texto com calma e serenidade teria percebido que ele sequer tem como objetivo defender ou negar a esfericidade da Terra, mas tão somente apresentar um aspecto interessante e pouco conhecido da ciência medieval.

2. Tomás de Aquino não foi "colocado dentro de esquema" algum. Ele comentou e ratificou os argumentos de Aristóteles, o que pode ser facilmente constatado em uma consulta aos seus comentários ao De Caelo.

Ademais, ataques, acusações e desrespeito não são meios válidos de argumentação e determinam o modo como você será tratado pelos outros. Se deseja ser ouvido, demonstre o mínimo de urbanidade e de controle. Pense nisso.

De resto, não retorne aqui com alguma resposta, pois não publicarei quaisquer outros comentários vindos de você.

Abraço.