quinta-feira, 21 de agosto de 2014

John Stuart Mill e o método científico



A obra System of Logic, de 1843, do filósofo utilitarista britânico John Stuart Mill, concentra-se numa discussão sobre os fundamentos do raciocínio indutivo e na sua importância para a experiência e o conhecimento científico-empírico. 

Ao tratar da natureza da lógica, Stuart Mill faz a distinção entre verdades imediatamente conhecidas e verdades inferidas. Estas são os conhecimentos sobre o que não testemunhamos, os acontecimentos da História ou os teoremas matemáticos, enquanto aquelas são nossas próprias sensações corporais e afecções mentais. Do que conhecemos por meio direto de nossa consciência podemos estar certos e seguros.

Entretanto podemos supor que o que achamos ser fruto da percepção direta possa de fato ser fruto de uma inferência. O que percebemos com os olhos é na realidade fruto de inferências tão rápidas e eficientes que delas não nos damos conta. Aqui fica claro a semelhança com o que no século seguinte Popper dirá acerca das observações, a saber, que elas são todas frutos de um processo de que não nos apercebemos por sua eficiência, mas que mostra não haver percepção imediata de nada.

Além disso, Popper dirá que mesmo uma observação singular transcende a experiência, sendo ela também uma teoria. Toda observação usa universais (como “água” e “copo”) e estes ultrapassam a experiência estrita, pois pressupõem um comportamento invariável  (law-like statements).

Toda inferência e descoberta de verdades não evidentes é indutiva e, segundo Mill, podemos definir a indução como a operação para descobrir e provar proposições gerais. Contudo, nem toda proposição geral é uma indução.

A preposição geral “todos os apóstolos eram judeus” não é indutiva, pois todas as suas instâncias estão ao alcance direto da verificação. É um fato contingente que os apóstolos fossem judeus e disso não tiramos nenhuma inferência para eventos futuros. Tais proposições gerais têm apenas um sentido descritivo, enquanto proposições gerais indutivas têm um caráter preditivo forte. Uma indução parte de um número limitado de instâncias observadas para inferir uma generalização de instâncias futuras potencialmente infinitas.

Todo raciocínio indutivo se funda na expectativa de que o futuro se conformará ao passado, ou seja, numa presumida uniformidade da natureza. Stuart Mill defende que este é o axioma geral da indução e que ele mesmo é um exemplo de indução. A uniformidade da natureza é ela mesma uma generalização baseada em outras generalizações anteriores. Só chegaríamos a ela por meio de induções anteriores.

Cremos que o que Stuart Mill está a dizer é que a idéia de uma uniformidade da natureza só se torna consciente para os filósofos após a experiência de muitas induções bem sucedidas. Entretanto, tal idéia, ainda inconsciente, guia a experiência humana quase como uma expectativa. Esta expectativa é confirmada por diversos casos em que, de fato, os fenômenos se comportam regularmente ao longo do tempo.

Isso levaria os homens a pensar indutivamente que, se muitíssimas instâncias observacionais claramente se comportam de forma uniforme, então é porque a natureza como um todo é regular . A questão aqui é que há um sistema de induções que se apoiam mutuamente, o que nos leva ao ponto seguinte: a regularidade geral da natureza é um tecido das regularidades parciais que chamamos de leis.

A regularidade geral da natureza é inferida dos muitos casos de regularidade que são objeto de experiência. Dentre estas existem as que chamamos de leis da natureza. Stuart Mill assevera que leis da natureza são as proposições gerais menos numerosas e mais simples a partir das quais todas as uniformidades poderiam ser inferidas dedutivamente. Dessa forma encontraríamos um sistema coerente de regularidades que poderíamos chamar de natureza, tornando assim clara a idéia de uma uniformidade natural.

Mill também levanta a questão de como podemos rejeitar a afirmação de que há homens com as cabeças embaixo dos ombros e admitir que podem existir cisnes negros. A resposta é que indutivamente sabemos que a possível variação de cores de um animal é bem maior que uma variação anatômica da magnitude de um homem com cabeça embaixo dos ombros. A experiência é critério de si mesma. Sabemos pela experiência quais regularidades são mais inflexíveis e quais menos.

Hume havia dividido o conhecimento humano possível em duas classes distintas: relações de idéias e relações de fatos. A primeira classe diz respeito aos sistemas formais como a matemática e a geometria, onde se opera por simples operações do pensamento, intuitiva e demonstrativamente, com base na necessidade lógica. A segunda classe se refere aos fatos empíricos, fundados na causalidade e na indução.

Stuart Mill realiza uma divisão semelhante onde distingue o que ele chama de fenômenos sincrônicos, exemplificados pelas leis dos números e pela geometria, caracterizados pela certeza e perfeição, e fenômenos sucessivos que são os fatos empíricos, fundados na causalidade e na indução. A causalidade é a base para o conhecimentos dos fenômenos sucessivos e Mill a define como a lei de que todo conseqüente tem um antecedente invariável.

Se todos os fenômenos sucessivos são regidos pela e conhecidos através da causalidade, então deve haver algum método para determinar com alguma certeza se um fenômeno é realmente a causa de outro. Não é necessária muita reflexão para se constatar que a simples sucessão temporal de um fenômeno a outro não é suficiente pra determinarmos uma relação de causalidade entre eles.

Certamente ninguém diria que o dia causa a noite somente pelo fato de que um sucede o outro temporalmente. Isto seria cair na falácia post hoc ergo propter hoc. Stuart Mill sugere cinco métodos para se descobrir se um objeto é causa de outro.

O primeiro deles é o método da concordância que diz que se de diversos casos de um fenômeno investigado eles têm somente uma circunstância em comum, essa única circunstância deve ser a causa ou o efeito do fenômeno. Buscam- se casos em que haja concordância numa dada circunstância mas que difiram em outros aspectos. Entretanto, para Stuart Mill, o método da concordância apenas sugere casos para a aplicação do método da diferença.

O segundo método analisado, sendo o mais importante e mais interessante, é o método da diferença. Uma vez constatada uma regularidade, fazemos um teste no qual deixamos intactas as outras circunstâncias e suprimimos aquela que até agora se comportou regularmente. Se a regularidade for interrompida, teremos determinado uma relação de causa e efeito. O interessante deste método é que ele deve ser usado precipuamente em experiências artificiais. É usado largamente por cientistas em seus laboratórios e fornece, segundo Mill, certeza acerca das relações de causalidade.

Os dois métodos seguintes são um tanto quanto variações dos anteriores e chamam-se método unido de concordância e diferença e método dos resíduos. O primeiro nos diz que se em vários casos em que ocorre um fenômeno eles têm apenas uma circunstância em comum enquanto outros casos onde ele não ocorre só têm em comum a ausência de tal circunstância, esta é o efeito ou a causa do fenômeno. Por sua vez, o segundo nos diz que subtraindo de um fenômeno a parte que indutivamente sabemos ser o efeito de alguns antecedentes , o efeito dos antecedentes restantes é o resíduo do fenômeno.

O quinto método é chamado de método das variações concomitantes e afirma que se um fenômeno varia de maneira específica sempre que outro varia, também de maneira específica, então as variações daquele são causa ou efeito das variações deste.

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