quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Curta introdução ao externalismo epistemológico



A despeito de algumas obscuridades óbvias, como as que cercam a relação entre a justificação e o acesso do sujeito conhecedor àquilo que justifica suas crenças, pode-se afirmar com segurança que o internalismo tem na deontologia sua característica mais expressiva. O que importa em termos de conhecimento é quanto o agente se esforçou para atingir a excelência epistêmica. 

Se ele cumpriu todos os seus deveres, então nada o impedirá suas crenças verdadeiras de receber a chancela de conhecimento. É justamente contra esse ponto central da tradição internalista que alguns filósofos, conhecidos como externalistas, irão se posicionar a fim de formular uma alternativa teórica que dê conta satisfatoriamente da questão do conhecimento. 

“Externalismo” é a designação dada a um conjunto bastante diversificado de teorias sobre o conhecimento que têm em comum a negação do deontologismo internalista. O sujeito S não está justificado em suas crenças verdadeiras, ou seja, não tem conhecimento legítimo graças ao cumprimento diligente e voluntário de certos deveres epistêmicos aos quais tem pleno acesso e consciência. O que confere o caráter de conhecimento às suas crenças está fora do seu alcance imediato. 

Segundo Laurence Bonjour, o confiabilismo é a versão mais discutida e defendida do externalismo e se baseia na ideia de que 

"o que torna uma crença epistemicamente justificada é a confiabilidade cognitiva do processo causal por meio do qual a crença é produzida, ou seja, o fato de que o processo em questão leva a uma alta proporção de crenças verdadeiras, com o grau de justificação dependendo do grau de confiabilidade. Se o processo que cria a crença é confiável dessa forma, então (todas as condições sendo iguais) será objetivamente razoável ou provável no mesmo grau que a crença particular em questão, tendo sido produzida dessa forma, seja ela mesma verdadeira."


O que torna o confiabilismo uma forma de externalismo, salienta Bonjour, é que o sujeito conhecedor não necessita ter qualquer acesso privilegiado à própria confiabilidade dos processos cognitivos que fornecem suas crenças para que esteja plenamente justificado. 

Se suas faculdades cognitivas ou métodos de conhecimento forem real e objetivamente confiáveis, ainda que o agente nada saiba acerca desse caráter de confiabilidade, então as crenças hauridas por meio desses processos e métodos terão um status epistêmico positivo, isto é, serão conhecimento legítimo.

O exemplo mais óbvio para ilustrar essa tese externalista é o da percepção sensível. Quando o sujeito S percebe através de seus órgãos visuais que há um cachorro à sua frente, se seus órgãos são confiáveis, nada o impede de estar justificado em sua crença de que há um cachorro à sua frente. 

Ainda que o sujeito S jamais tenha se questionado acerca da confiabilidade de seus olhos e de seu aparelho cognitivo visual e ainda que ele nunca venha um dia a conhecer o grau de confiabilidade dos mesmos, ele ainda estará plenamente justificado em suas crenças.

Nenhum dever epistêmico é aqui exigido para que haja conhecimento. Nenhuma norma indispensável sem a qual não há justificação é especificada. Do sujeito S não é exigido que ele tente obter excelência epistêmica e nem sequer que se esforce para cumprir suas responsabilidades enquanto ser racional. 

O que confere o caráter de justificação e, por conseguinte, de conhecimento às suas crenças é o grau de confiabilidade dos processos cognitivos que as criaram. Mesmo um agente relapso e leviano em suas investigações e atividades epistêmicas pode estar plenamente justificado em suas crenças desde que estas sejam produto de faculdades ou métodos confiáveis.

A partir dessa perspectiva, métodos lógicos e probabilísticos de inferência também são julgados de acordo com sua confiabilidade. Se tais métodos (cumpridos seus requerimentos específicos) têm a tendência de produzir mais asserções verdadeiras do que falsas, então o sujeito S que os utiliza em seus raciocínios e argumentos estará justificado em crer naquilo que é produzido por esses processos, mesmo que não tenha conhecimento do grau de confiabilidade deles. 

Dessa forma, mesmo crianças pequenas e animais podem estar justificados uma vez que o que importa é a confiabilidade dos processos cognitivos e não a consciência ou a iniciativa em se conformar com pretensos deveres epistêmicos.

Na concepção do filósofo externalista as condições descritas até aqui, juntamente com a crença e a verdade da crença, seriam necessárias e suficientes para se atribuir conhecimento a um sujeito conhecedor qualquer. Evidentemente, essa tese apresenta problemas teóricos que são explorados por seus adversários, internalistas ou não. Laurence Bonjour aponta para três objeções as quais considera como as mais importantes e que questionam a confiabilidade como critério para o conhecimento. 

A primeira dessas objeções faz uso, novamente, de um demônio cartesiano enganador.  Suponha-se um grupo de pessoas submetido aos desígnios malévolos de um demônio que controla todas as suas faculdades. Sob o poder dessa criatura, o grupo crê se encontrar num mundo muito parecido com o nosso, com seres atuando uns sobre os outros causalmente no tempo e no espaço. 

Os componentes do grupo criam teorias sobre esse mundo e chegam a determinadas conclusões ditadas por princípios epistemológicos válidos. Apesar de tanta diligência, as suas conclusões são falsas, pois o mundo que experimentam não existe.

O filósofo externalista diria que o grupo não tem conhecimento porque suas crenças são fruto de processos cognitivos que estão longe de serem confiáveis. Bonjour, entretanto, afirma que seria intutivamente inválido afirmar que seres que tomaram todas as providências para conhecer corretamente seu mundo não estejam justificados em suas crenças. 

Uma resposta possível a essa objeção é afirmar que estão justificadas as crenças produzidas por faculdades e processos que teriam confiabilidade em um mundo “normal” (naquele em que realmente existem os seres e situações que são percebidos), ainda que os mesmos estejam funcionando em um mundo bizarro criado por um demônio. Por esse motivo, as pessoas do grupo estariam totalmente justificadas.

A segunda objeção é de certa forma óbvia, pois se o que importa para a justificação é que a crença seja produzida por faculdades confiáveis, então nada impede haja processos confiáveis fornecendo crenças verdadeiras a despeito da descrença do sujeito com relação à eficiência dos mesmos. Um exemplo fácil desse tipo de situação seria a clarividência. 

O sujeito S pode ser um clarividente e receber crenças verdadeiras dessa faculdade extranormal o tempo todo, mesmo que não tenha nenhum motivo para acreditar na confiabilidade da clarividência ou mesmo duvide dela decididamente. Num caso assim, a questão é se realmente se pode dizer que S está justificado.

Bonjour, novamente, usa um exemplo para ilustrar sua objeção. Suponha-se que exista um homem cujo nome é Norman e que ele possui o dom da clarividência. Através dessa faculdade Norman tem crenças sobre o paradeiro do presidente dos Estados Unidos. Essas crenças surgem espontaneamente em sua mente e ele crê nelas sem jamais ter tido o trabalho de verificar se elas são verdadeiras ou não e nem mesmo tem uma concepção acerca do que é ou do alcance do fenômeno da clarividência. 

Acontece que suas crenças sobre o paradeiro do presidente estão sempre certas.  De acordo com o confiabilismo, Norman está totalmente justificado e tem conhecimento legítimo. O problema é que intuitivamente parece irracional acreditar, como faz Norman, em coisas das quais não se tem nenhuma evidência ou cujas evidências são contrárias.

Robert Fogelin, comentando essa objeção de Bonjour ao externalismo, assevera que ela não é conclusiva e que tira sua força aparente da desconfiança comum contra alegações de clarividência e do fato que a caracterização de Bonjour faz com Norman acredite em coisas que parecem surgir em sua mente do nada. Se a clarividência for colocada em situações mais cotidianas e normais, a objeção perderá força. 

Fogelin fornece um exemplo engenhoso no qual S tem clarividência e esta se manifesta cotidianamente de uma forma muito simples. Embora não tenha consciência desse fato, S tem o poder de saber o que está escrito na primeira linha da página seguinte à que está lendo. Ato contínuo, S começa a leitura da página seguinte já na segunda linha e não se dá conta disso. Fogelin afirma então que, da forma como a história é contada, dificilmente se diria que S não tem conhecimento, ainda que S tivesse evidências contra a crença em clarividência.

Outro exemplo, não mais hipotético e sim real, é dado pela propercepção, a faculdade humana de perceber a posição de partes do corpo não por meio dos sentidos externos e sim pelo sentido interno. Poucas pessoas já ouviram falar dessa faculdade e muitas crêem na ideia da existência de somente cinco sentidos, o que excluiria a possibilidade da propercepção. 

Todo e cada ser humano sabe a orientação do seu corpo ou a disposição de seus lábios por meio dessa faculdade. A certeza das crenças assim obtidas não é em tempo algum submetida ao escrutínio crítico ou a uma avaliação segundo evidências sensoriais externas. Entretanto, seria absurdo dizer que uma crença desse gênero é irracional porque não possui “base em evidências”. Desse modo, a tese confiabilista do externalismo perderia o caráter irracionalista que Bonjour almeja imputar-lhe.

O terceiro e último argumento de Bonjour contra o confiabilismo se baseia no que ele denomina de problema da generalidade. Se o que importa para a justificação de uma crença qualquer é o grau de confiabilidade em geral do tipo do processo cognitivo do qual ela é o resultado, impõe-se a pergunta acerca da caracterização do nível de generalidade desse processo. Tome-se como exemplo a percepção visual de uma caneca sobre uma mesa. É possível descrever o processo de geração da crença de que há uma caneca sobre a mesa de diversas formas: 

Como a percepção visual de uma caneca de perto e sob uma boa luz; como a percepção visual de uma caneca (sob condições e distância não especificadas); como a percepção visual de um “objeto físico de tamanho médio” (com mais ou menos especificações sobre as condições e a distância); como percepção visual em geral (incluindo as percepções de objetos bem maiores ou bem menores, com várias especificações das condições e da distância); ou simplesmente como percepção sensível em geral. (...) Qual dessas descrições do processo cognitivo em questão, deve-se perguntar, é a relevante para aplicar o simples princípio confiabilista de justificação?

Para Bonjour, essa objeção é importante porque ela mostraria que o externalista terá de admitir que há múltiplas formas de descrição de processos cognitivos e que a confiabilidade destes varia de acordo com as descrições dadas. Seria possível então descrever um processo cognitivo de tal maneira que o tornasse virtualmente infalível ou totalmente inútil. 

Sem uma resposta adequada a essa questão, segundo o autor, o confiabilismo perde muito de sua força de persuasão, mesmo admitindo-se que algumas descrições são mais naturais que outras. De qualquer forma, dentro dessa naturalidade, há possibilidades diversas de descrição, o que mostraria que o problema é incontornável.

O confiabilismo tem no filósofo americano Alvin Goldman seu mais tradicional defensor. É impossível tratar do externalismo sem citar as principais teses postuladas por esse influente pensador contemporâneo da tradição anglossaxã de filosofia. A posição goldmaniana é claramente confiabilista e sua formulação das exigências dessa corrente é considerada como paradigmática.

Para Goldman, a justificação de uma crença é uma “função da confiabilidade do processo ou dos processos que a causam, onde (como primeira aproximação) a confiabilidade consiste na tendência de um processo de produzir mais crenças verdadeiras do que crenças falsas.”

Em outras palavras, importa para que o sujeito S esteja justificado em suas crenças que estas, além de verdadeiras, tenham sido produzidas por processos cognitivos que se caracterizem pelo caráter disposicional de confiabilidade. Nenhuma exigência é feita quanto à responsabilidade epistêmica do agente conhecedor e nem valores cognitivos deontologicamente entendidos são postulados.

A formulação de Goldman, em que pese sua clareza e honestidade, abre espaço para críticas e objeções importantes. Alvin Plantinga, fazendo coro com Richard Feldman e Laurence Bonjour, aponta para o fato de que a ideia goldmaniana de confiabilismo não pode se desembaraçar do problema da generalidade. 

Como a confiabilidade de um processo é determinada por seu tipo, fica em aberto o grau de confiança de suas diversas instâncias. Tomando-se como exemplo o processo cognitivo da visão, ainda que este seja confiável em geral, as suas instâncias apresentarão diferentes graus de confiabilidade. 

Certamente a visão de um corpo médio a curta distância durante o dia tem mais confiabilidade do que a visão de um objeto médio à longa distância à noite ou em meio à neblina. A generalidade do tipo de processo cognitivo dificilmente poderá garantir a confiabilidade dessas instâncias particulares. Tomar o caráter confiável do tipo como garantia para todas as crenças produzidas por suas instâncias seria ignorar deliberadamente essas diferenças e lançar sobre casos menos confiáveis o manto da confiabilidade do tipo.

Não obstante, o confiabilismo lança luz sobre o fato de que a justificação das crenças é variada e que nem toda crença pode e deve obter sua justificação por meio de argumentos. Como Robert Fogelin salienta, é um preconceito intelectualista exigir que o sujeito conhecedor sempre justifique aquilo em que crê por meio de uma complexa cadeia de raciocínios. 

Em muitos casos, como o da propercepção, nenhuma outra evidência ou explicação é necessária ou deve ser exigida além da afirmação daquilo que se apresenta para o sujeito como sendo o caso. Alguém sentado, vendado e instado a responder perguntas acerca da posição de seus lábios, de suas mãos ou de suas pernas não é culpado de irresponsabilidade epistêmica se baseia suas respostas (e confia) naquilo que seu sentido interno lhe informa. 

Evidentemente, se a pessoa em questão está sob efeito de uma droga que a faz pensar que seu corpo está em determinada posição quando na verdade está em outra, então sua crença nada tem de justificada. Neste caso, está claro que a confiabilidade natural do sentido interno se encontra drasticamente enfraquecida. 

Em circunstâncias normais, contudo, nada impedirá que essa pessoa esteja plena e satisfatoriamente justificada quando, sem recorrer à visão, crê que seus lábios ou suas pernas estão em tal e tal posição. Fogelin afirma que este é o caso inclusive do clarividente Norman apresentado como exemplo por Bonjour.

Ao contrário do que este pretende provar, o exemplo mostraria que afinal não há nada de errado com a “intuição central do externalismo – que conhecimento pode surgir através do uso não-refletivo de uma capacidade perceptual.”

A discussão acerca da justificação das crenças hauridas por meio do funcionamento da percepção interna ou externa conduz também a considerações sobre o controle do sujeito conhecedor sobre suas crenças. Para o internalista o sujeito conhecedor tem deveres epistêmicos e um deles é exercer um controle rígido sobre aquilo em que acredita. 

O externalismo aponta para o fato de que essa exigência é impossível de ser cumprida, pois não se pode controlar tudo aquilo em que se crê. O erro estaria na ideia de que a crença é algo temporalmente posterior à percepção da coisa. Primeiramente aconteceria a percepção e, então, por meio de uma consideração crítica da mesma, se daria ou não assentimento a seu conteúdo.

Em muitos casos de percepção sensível, a crença não é resultado de uma avaliação posterior das evidências daquilo que se apresenta perceptualmente. A relação entre apresentação e crença não é temporalmente distinta, mas simultânea. Quando se percebe, se crê. Na maior parte do dia qualquer sujeito conhecedor age baseado em percepções internas e externas sem quaisquer considerações acerca de evidências. 

E isso não porque seja irresponsável epistemicamente, mas porque ele não é livre para crer no que quer ou somente naquilo que submete a rigoroso escrutínio ou ainda porque, como querem os externalistas, essas considerações são totalmente descabidas e dispensáveis.

As observações acima sobre a liberdade limitada do sujeito conhecedor em seu desempenho epistêmico são parte importante da argumentação utilizada em defesa do externalismo por parte de outro influente filósofo americano contemporâneo, Alvin Plantinga. Sua posição está centrada no questionamento da tradição internalista e justificacionista e na defesa de um externalismo que toma o conhecimento como função daquilo que ele chama de garantia (warrant). 

"Da forma como vejo a questão, uma crença tem garantia se ela é produzida por faculdades cognitivas funcionando apropriadamente (não sujeitas a qualquer mau funcionamento) em um ambiente adequado para tais faculdades, de acordo com um desenho exitosamente planejado objetivando a verdade."


O sujeito conhecedor não precisa saber que suas crenças são produzidas por faculdades que têm garantia para ter conhecimento legítimo. Basta que elas o sejam de facto. Plantinga admite que seu conceito de conhecimento seja complexo e que só pode ser compreendido plenamente a partir do estudo de casos paradigmáticos e aplicações analógicas e que existem muitas situações nebulosas e de difícil interpretação que ainda permanecem como casos não esclarecidos. 

A ideia que subjaz à teoria e que se realiza plenamente nos casos paradigmáticos é que a garantia se ancora no bom funcionamento das faculdades e num projeto específico destas. Em Plantinga, o desempenho epistêmico que garante o conhecimento é transferido para as faculdades cognitivas. As exigências não são mais deontológicas, mas teleológicas. 

São as faculdades cognitivas que deverão ter um funcionamento apropriado, livre de qualquer falha, dentro de um meio condizente com seu plano orientado para a obtenção da verdade. Tudo ocorrendo comme il faut, de acordo com as predeterminações do seu “projeto”, o aparelho cognitivo fornecerá ao sujeito que dele faz uso crenças com um status epistêmico positivo.

Diversas críticas foram dirigidas contra as concepções epistemológicas de Plantinga, em especial no tange às suas implicações teleológicas e teístas.* Laurence Bonjour, por exemplo, tentou demonstrar a inadequação do conceito de funcionamento apropriado através de um experimento de pensamento. 

Suponha-se um ser chamado Frank cujas faculdades cognitivas tenham sido formadas rigorosamente a partir do acaso. Em seguida suponha-se também que essas mesmas faculdades são tão acuradas e confiáveis quanto as de um ser humano normal, que Frank tenha sido submetido a uma educação ordinária e que ele realizou importantes descobertas no campo das ciências. A pergunta é se Frank tem ou não conhecimento, pois suas faculdades não são o produto de um desenho ou projeto. 

No caso de uma resposta negativa, parece estranho que alguém que consiga realizar descobertas reconhecidamente importantes e ainda assim não estar justificado em suas crenças porque suas faculdades não são fruto de um desenho e sim de um mero acaso. 

Por outro lado, o exemplo de Bonjour peca por supor demais. Supõe que realmente algo tão complexo quanto um ser humano e suas faculdades cognitivas possam ser construções da aleatoriedade. O problema é saber que força tem um experimento mental cujas premissas implicam a ideia de acaso puro. 

Bonjour afirma que o seu exemplo hipotético reflete a situação real se não houver realmente nenhum Deus criador e formador. Essa afirmação é controversa, pois nem mesmo darwinistas ateus pressupõem esse grau de aleatoriedade postulado por Bonjour.

Um segundo exemplo fornecido por Bonjour tem o objetivo de mostrar que as teses de Plantinga não escapam às críticas dirigidas ao confiabilismo no que tange aos casos de suposta clarividência. Admita-se a existência de um homem comum chamado Boris que esteja com suas faculdades totalmente saudáveis e trabalhando de acordo com seu desenho num ambiente adequado. 

A única coisa diferente em Boris é que Deus implantou um módulo cognitivo em seu cérebro que o habilita a saber com o máximo de certeza possível, com poucos dias de antecedência, o dia do Juízo Final. Suponha-se que realmente o Juízo Final esteja próximo e Boris reage da maneira correta, ou seja, ele tem certeza absoluta, tanto quanto de que 2+2=4, que o fim dos dias está próximo. 

Ora, se Boris tomasse qualquer atitude baseado nessa crença, alguém porventura poderia afirmar que ele está justificado racionalmente? A questão é que, de certa forma, nenhuma evidência há que suporte tal crença. Ao fim e ao cabo, Boris não estaria agindo de uma forma racional. 

Plantinga responderia à essa objeção apontando para o fato de que, como externalista, ele não concebe a evidência como necessariamente disponível à consciência do agente. No entanto, a evidência existe na qualidade de uma crença básica fornecida por uma faculdade cognitiva funcionando apropriadamente em um ambiente adequado a seu desenho e que impele por uma força impulsional à sua aceitação.

Apesar das diversas divergências internas, as correntes do externalismo e do internalismo possuem certa unidade doutrinária que permite que seus aspectos essenciais possam ser apresentados sem a necessidade de uma exposição minuciosa de todas as filigranas das teorias particulares de cada pensador. 

Há outras teorias que pretendem se afastar dessa dicotomia internalismo-externalismo que domina o debate epistemológico anglossaxão, principalmente no que tange à busca de soluções para o problema de Gettier. Eventualmente trataremos delas em postagens futuras.

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