segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Popper e o critério de demarcação científica


Encontram-se amiúde nas discussões e embates acerca de criacionismo, design inteligente e darwinismo tentativas de retirar deste último o status de teoria científica. E freqüentemente os argumentos usados para tanto são retirados das teorias de Karl Popper. A estratégia seria desacreditar o darwinismo como opção científica válida pelo fato de não apresentar um caráter empiricamente preditivo.

A manobra descrita acima carrega implicitamente, por vezes, a idéia de que o critério de demarcação popperiano implica em algum tipo de negação da importância cognitiva de teorias não científicas e na afirmação de que somente teorias científicas podem alcançar a verdade. Entretanto, sem entrarmos no mérito da questão da cientificidade darwinista, veremos que a teoria da demarcação defendida por Popper não implica em nenhuma dessas conseqüências.

O problema que levou Popper às suas investigações epistemológicas foi aquele da possibilidade de uma demarcação clara entre a legítima ciência empírica e a pseudo-ciência empírica. Tradicionalmente a ciência empírica é descrita segundo o modelo indutivista: de fatos observados semelhantes inferem-se teorias explicativas e enunciados universais na forma de leis. Seriam teorias científicas aquelas que se coadunassem a esse procedimento indutivo.

Ora, para Popper essa teoria estava errada em dois pontos principais: 1) teorias antecedem logicamente os fatos e 2) instâncias singulares não estabelecem enunciados universais.

1) Fatos são semelhantes e diferentes em diversos aspectos e se observamos fatos semelhantes é porque já o vemos a partir de algum ponto de vista ou de algum tipo de expectativa mais ou menos teórica. Assim, dos fatos não se inferem teorias, mas a partir de teorias, pontos de vista ou expectativas prévias observamos fatos.

2) De nenhum grupo limitado de fatos observados pode-se logicamente inferir um enunciado universal. A observação de diversos cisnes brancos, não importando seu número, não nos dá o direito de afirmar que todos os cisnes são brancos. Sempre pode haver uma instância refutadora (ou uma série delas).

Popper não aceitava a idéia de uma demarcação que caracterizasse a ciência a partir do comportamento real dos cientistas em suas pesquisas e defende que uma teoria demarcatória alternativa deveria ser encontrada que resolvesse os problemas lógicos e epistemológicos que o indutivismo apresentava e que, ao mesmo tempo, não criasse outros tantos.

A solução dada por Popper era o método hipotético-dedutivo. Se não se pode derivar logicamente um enunciado universal de instâncias singulares e concretas, pode-se no entanto refutar enunciados universais a partir de enunciados singulares. De um número qualquer de corvos pretos observados não se infere que todos os corvos são pretos, mas o enunciado de que todos os corvos são pretos pode ser refutado logicamente pela observação de um corvo branco (ou uma série deles).

Mas isso não é suficiente. Para satisfazer o caráter empírico da ciência essa refutação deve ser também empírica. Então, para Popper, teorias científicas são aquelas cuja estrutura lógico-argumentativa permita a possível refutação de suas predições. Em outros termos, teorias científicas (consideradas como um conjunto argumentativo logicamente consistente composto de enunciados universais, condições iniciais e hipóteses auxiliares) são aquelas das quais se podem derivar predições empíricas, ou seja, predições testáveis intersubjetivamente.

Para que uma teoria seja científica, basta que ela apresente o caráter disposicional de refutabilidade empírica, ou em outros termos, basta que suas predições possam ser expostas ao teste empírico. Se as predições se confirmarem, a teoria está momentaneamente corroborada. Isto significa que até o momento presente suas predições não foram refutadas.

Para Popper, em nenhum momento a corroboração implica num atestado de veracidade da teoria. Teorias científicas podem somente ser refutadas, nunca confirmadas definitivamente. Resta então que o caráter hipotético e conjectural é inerente às teorias científicas.

As teorias e teses que não são científicas são chamadas por Popper de "metafísicas". O fato de não poderem ostentar o selo da cientificidade não lhes furta sua importância ou sua pretensão de verdade. Embora irrefutáveis empiricamente, elas podem ser verdadeiras ou falsas e devem ser avaliadas segundo sua capacidade de resolver adequadamente as questões às quais pretendem responder.

Dessa forma, para Popper, negar a cientificidade de uma hipótese ou teoria não é negar-lhe a importância e nem mesmo torná-la irracional, dispensável ou sem sentido. O que distingue teses científicas de teses metafísicas é o fato de que as primeiras podem ser refutadas pela experiência.

Entretanto, Popper admite que nem mesmo essa refutação terá caráter definitivo uma vez que os testes empíricos são feitos com aparelhos e instrumentos que incorporam teorias que não podem ser conclusivamente estabelecidas, somente refutadas. Então qualquer resultado experimental que possa refutar as predições de uma teoria pode ser questionado a qualquer momento.

No fundo, são teorias usadas para refutar outras teorias. Somente a convenção entre os cientistas poderá decidir pela refutação de uma teoria frente a resultados experimentais adversos.

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Leia também:
Sobre o caráter convencional da refutação empírica em Popper

http://oleniski.blogspot.com.br/2014/04/popper-convencionalista.html

Sobre a falseabilidade do falseabilismo popperiano:


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