segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Renascença e ontologia



"A grande inimiga da Renascença, do ponto de vista filosófico e científico, foi a síntese aristotélica, e pode dizer-se que sua grande obra foi a destruição dessa síntese. (...) depois de ter destruído a física, a metafísica e a ontologia aristotélicas, a Renascença se viu sem física e sem ontologia, isto é, sem possibilidade de decidir, de antemão, se alguma coisa é possível ou não."

ALEXANDRE KOYRÉ, A Contribuição Científica da Renascença


Universalmente reconhecido como o período de ressurgimento da arte e das letras, a Renascença foi também, como defende Koyré, um período de fértil credulidade. E isto se deve, segundo ele, à destruição da herança aristotélico-escolástica medieval. Uma vez destruídos os laços da doutrina que determinava firmemente que uma infinidade de coisas não era possível, a imaginação vagou livre e sem impedimentos a sugerir que o outrora impossível poderia ser possível.

Dessa forma, mágicos, feiticeiros, demônios, poções e bruxas se multiplicaram no mundo real do renascentista. E até que a nova ontologia da ciência moderna desponte no século XVII, não haverá critérios para se decidir o que é possível ou impossível. Poderá se crer no que se quiser, uma vez que nada estará proibido de antemão.

É a época do alfabeto enochiano de John Dee, da Filosofia Oculta de Cornelius Agrippa von Nettesheim, das profecias de Nostradamus e da Demonologia de Nifo. Mas é também uma época de intensa curiosidade com relação ao mundo natural. Coletâneas, compilações e coleções de botânica, mineralogia e anatomia surgem aos montes.

Contudo, sem uma teoria classificatória, como a de Aristóteles, essa gama extensa de informações e fatos isolados não pode se constituir numa verdadeira atividade científica. Fazer ciência não é somente juntar verdades desconexas assim como construir uma casa não é somente empilhar tijolos.

Koyré afirma que é somente Galileu que, ultrapassando os ainda um tanto aristotélicos Kepler e Brahe, realiza definitivamente a passagem do espírito renascentista ao espírito da ciência moderna através da redução do real ao geométrico. Acreditando que as formas matemáticas realmente se realizam neste mundo, Galileu faz nascer uma nova ontologia que irá determinar o que é possível e o que é impossível acontecer.

E novamente a imaginação deverá se circunscrever ao que é ontologicamente possível.

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