quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Koyré e o objetivo da ciência


"O positivismo é filho do fracasso e da renúncia. Nasceu da astronomia grega e sua melhor expressão é o sistema de Ptolomeu. O positivismo foi concebido e desenvolvido, não pelos filósofos do século XIII, mas pelos astrônomos gregos que, tendo elaborado e desenvolvido o método do pensamento científico - observação, teoria hipotética, dedução e, finalmente, verificação através de novas observações -, acharam-se diante da incapacidade de penetrar no mistério dos verdadeiros movimentos dos corpos celestes, e que, em consequência, limitaram suas ambições a uma operação de salvamento dos fenômenos, isto é, a um tratamento puramente formal dos dados da observação, tratamento que lhes permitia fazer predições válidas, mas cujo preço era a aceitação de um divórcio definitivo entre a teoria matemática e a realidade subjacente."

ALEXANDRE KOYRÉ, As origens da Ciência Moderna

Diversos historiadores e filósofos da ciência, como Alexandre Koyré e Pierre Duhem, encontram na antiga atronomia grega a origem da concepção segundo a qual as teorias físicas não podem afirmar nada acerca da constituição última ou natureza dos fenômenos, restringindo-se assim a formular descrições matemáticas meramente adequadas ao comportamento observável dos mesmos.

A concordância acerca das origens dessa concepção não se estende a um consenso acerca de suas pretensões epistemológicas. Koyré a ela se opõe radicalmente identificando-a ao positivismo e classificando-a como retrógrada. Além disso, afirma Koyré, Galileu, Descartes e Newton, os pais da revolução científica do século XVII, longe de serem "positivistas", estavam plenamente convencidos de que suas teorias alcançavam a constituição última das coisas através da linguagem matemática na qual o livro da Natureza estava escrito.

A ciência seria, para Koyré, essencialmente theoria, busca da verdade e é por meio dessa chave que se pode interpretar propriamente sua história e a motivação básica dos grandes cientistas em suas pesquisas.

Para Pierre Duhem, adepto e defensor do "positivismo" posteriormente criticado por Koyré, não se deve confundir as concepções e as motivações dos cientistas com a verdadeira natureza da ciência. Não pode o competente praticante de uma determinada atividade estar totalmente enganado acerca da real natureza e dos fins de seu empreendimento? Não pode ele estar obcecado por uma miragem ou uma ilusão que, não obstante, lhe dá impulso e motivação para seguir em frente?

Segundo Duhem, "Frequentemente a ilusão inflama as atividades humanas mais que o claro entendimento do objetivo perseguido. É isto uma razão para confundir ilusão com verdade? Descobertas geográficas admiráveis foram feitas por aventureiros buscando a Terra do Ouro. Isso significa que nossos mapas devem incluir El Dorado? "

Será que realmente, como quer Koyré, o "positivismo" é um filho do fracasso e da renúncia? Decerto, como Mersenne defendia ainda no século XVII, há a renúncia ao gênero de conhecimento definido por Aristóteles. Contudo, há também a afirmação da capacidade humana de conhecer e descrever, de forma cada vez mais adequada e precisa, a gama quase infinita de modalidades de comportamento observável dos fenômenos.

E seria preciso acrescentar que, tal qual afirmava Duhem, a renúncia ao conhecimento da natureza das coisas não necessariamente atinge a metafísica enquanto ciência filosófica, mas somente o gênero de conhecimento a que se dedica aquilo que desde o século XVII chamamos de física. A questão não seria então de renúncia ou fracasso, mas de discriminação.

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