sábado, 4 de abril de 2009

Lovecraft e o terror do conhecimento


"O homem deve se preparar para adquirir um conhecimento terrificante do Cosmos e do lugar que ele mesmo ocupa no turbilhão do tempo. É necessário pôr-se em alerta contra um perigo secreto bem determinado que, se não ameaça destruir a raça humana inteira, pode infligir aos seus representantes mais aventureiros horrores monstruosos e indefiníveis."

H.P. LOVECRAFT, The Shadow out of Time


Quem quer que já tenha lido boa parte dos contos fantásticos de H.P. Lovecraft irá notar um tema constante que atravessa suas obras: o terror advém do conhecimento. Em seus contos, de alguma forma, todos os estudiosos que se aventuram em conhecer as profundezas do real, sejam eles matemáticos, físicos, filósofos, antropólogos ou mesmo ocultistas e teósofos, encontram ao final de sua jornada somente horror e loucura.

Há em Lovecraft a consciência de que a atividade do conhecimento abre para os olhos humanos o abismo de sua pequenez cósmica e da indiferença essencial do universo para com ele. Alguns críticos já salientaram que as obras lovecraftianas têm um sabor de decepção com o rumo mecanicista e desespiritualizado da ciência moderna que culmina na afirmação de um mundo frio e indiferente.

Mas há algo mais que isso. Há o sentimento de que o conhecimento pode ser tão terrível que a loucura é a única alternativa misericordiosa frente ao horror. Se um dos mais poderosos deuses antigos, Azathoth (cujo nome não se deve pronunciar em voz alta), é um deus cego e idiota que deve continuar adormecido para não destruir todo o Cosmos e se seu preposto, Nyarlathotep, é maligno o suficiente para, tomando a forma humana, fornecer aos homens o poder de se auto-destruírem, então as forças que controlam o universo não são somente indiferentes.

Elas são más. São dotadas de uma vontade maligna, por vezes cega e por vezes intencional, mas sempre detestável e malévola num nível desconhecido ao ser humano. Blasfêmia é um termo usado amiúde por Lovecraft para descrever essas forças. Blasfemo é aquilo que, negando ou escarnecendo, vai contra tudo o que consideramos sagrado e certo. Essas forças, por sua própria existência e lugar no universo, escarnecem de nossas mais íntimas e ingênuas convicções sobre o bem e a harmonia cósmica.

O destino humano é então miserável e o conhecimento que leva a tal revelação é maldito em si mesmo. Não seria melhor ter permanecido na era dos mitos e da poesia, da qual Lovecraft tentas vezes manifesta nostalgia? A curiosidade do conhecimento se mostra como uma armadilha que lança seus artifícios insidiosos gradativamente e que, ao final, guarda somente engano e sofrimento.

Lovecraft parece não haver indicado qualquer solução para esse dilema a não ser, talvez, a rejeição implícita dessa curiosidade que deu azo ao conhecimento que traz nossa própria ruína. Talvez seja exagero classificar Lovecraft como irracionalista. Entretanto, ele é certamente um autor que, como diversos outros nos tempos recentes, através da literatura, lança dúvidas sombrias sobre as vantagens do conhecimento e se questiona se, sendo nosso lugar no mundo tão triste e insignificante, talvez fosse melhor não conhecê-lo.

2 comentários:

Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Refrator de Curvelo (na foto do perfilado, restos da reunião dos Menos que Um) disse...

Rogério;

Fico tentado a querer mais do que a exposição do problema como um tema. Não fico satisfeito em ver a apresentação de Lovecraft como um embaraço a racionalidade. PArece que qualquer coisa que precipite de seus contos é uma presença numa grande parada militar na disputa entre batalhões diferentes e que carregam consigo a bandeira do racionalismo e do irracionalismo, respectivamente, de forma que nesta cisão alguns estejam mais ou menos no meio. O que me incomoda é que a posição de Lovecraft é a de quem está mais ou menos no meio de um esquema universal. Queria mais do Lovecraft e menos do esquema (universal) da cizânia. Dá pra entender? É como buscar no brincalhão uma posição que é também sua, e não só em relação aos demais.