sábado, 15 de março de 2008

Céus de Mishima




Com que então pertenço aos céus?
Não fosse assim, por que é que os céus
Me olhariam assim com seu eterno olhar azul,
Me chamando, e à minha mente, mais alto,
Sempre mais alto, sempre mais acima,
Me chamando sempre para o máximo,
Para alturas que homem algum imagina?
Por que, estudado o equilíbrio
E o vôo planejado até a última minúcia,
Até não haver margem para o infortúnio,
Por que, até aí, deve a ânsia de subir
Ser associada à insânia?
Nada nesta terra vai me ver satisfeito;
Novidades do mundo, logo monótonas;
Algo me chama lá em cima, para cima,
Cada vez mais perto da faísca do sol.
Por que me queimam estes raios da razão.
Por que me destroem estes raios?

Trecho do poema "Ícaro" de Yukio Mishima, traduzido por Paulo Leminski

quinta-feira, 6 de março de 2008

Da irresistibilidade divina

Shestov dizia que toda a função e objetivo da filosofia se resumia na busca pela Necessidade e na pregação de uma submissão servil à ela. No fim das contas, a idéia de verdade traz em si a marca do constrangimento.
Frente à verdade, todo e qualquer ser racional sente-se constrangido, obrigado à se curvar. Shestov talvez não tenha percebido, mas nada há de mais constrangedor do que Deus. Que rebeldia, que escolha, que liberdade pode se ter diante do Absoluto? Como Lúcifer pode cair, em favor de que outro pode ele se rebelar, se nada há além de Deus?
É somente na ignorância do Absoluto que se pode pecar, escolher, errar, padecer e, enfim, ter livre-arbítrio... Não se tergiversa diante do Único. Perde-se a si mesmo irresistivelmente Nele.

Da monotonia estéril

O que quero quando argumento? Qual meu objetivo quando, exposta a tese de meu interlocutor, passo a analisá-la, a confrontá-la com teses contrárias, a desfiar o rol de suas conseqüências? Que outra coisa senão o esclarecimento da própria questão e dos requisitos de sua solução? Algo mais se agita na profundidade.

Meu movimento de cerco, aracnídeo, tece com o objetivo de imobilizar. Não há nisso algo de vingativo? “Como pode ele ainda propor teoria? Como pode, despudoradamente expor uma intuição, ter o frescor inocente da confiança?” Então parto para converter o infiel para minha seita de impotência e de cansaço. Conduzo-o, insidiosamente, pelos caminhos da palavra à morte do mutismo.

Faço-o ver que sua confiança inocente é culpada de loucura. É viva demais, indecente. Há que se tornar lúcido, ou seja, morto. Meus argumentos são os instrumentos que uso para proibí-lo de ser outra coisa que não seja eu. No fundo, é o desejo de uma monotonia estéril. É o imperialismo dos impotentes.