terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Amor e iluminação

O amor é a expressão de nosso desterro, de nosso exílio do Éden, de nossa separação (ao menos aparente) do absoluto. Pode-se amar alguém e algo sem desviar-se da busca essencial ? Não é à toa que Platão fala de uma pedagogia ascendente no Banquete, onde do amor aos jovens belos e de um jovem belo, se sobe para a beleza dos belos corpos, das belas almas e por fim se chega gradativamente à Beleza em si, pura e imutável.

O que Platão quer apontar com isso? Não será que o amor a algo ou alguém em particular pode se tornar um obstáculo para a realização e conhecimento plenos ? Pode, mas não necessariamente. Talvez a resposta esteja precisamente numa hierarquização justa de nosso amor. Algo que faz com que o mandamento de amar a Deus sobre todas as coisas se revista de um tom novo revelando toda sua sabedoria. Buscar o absoluto sobre todas as coisas não é excluir-se de todas as coisas. É saber seu justo lugar, sua constituição, na hierarquia dos entes.

Tenho a impressão que essa justa hierarquização não seja um método, nem algo que se impõe a si como dever. Creio que seja, ela mesma, fruto de um contato, ainda que incompleto e imperfeito, com o transcendente. Algo como a astúcia que Platão identifica como uma das origens do amante e do filósofo. É algo que já somos. E a hierarquização justa vai nascendo como fruto dessas experiências.

Chamo isso de “ética iluminativa”, para indicar que ela não é uma normatização das ações, mas uma expressão da iluminação gradativa. A hierarquização justa é seu fruto e pode ser exemplificada pelo episódio da iluminação de Arjuna no Baghavad Gita. Antes da batalha contra seus parentes próximos, Arjuna questiona a validade daquela luta fratricida. A revelação de Krishnah, o condutor dos cavalos de seu carro, como a manifestação do absoluto, mostra a Arjuna a verdade suprema e, assim, o lugar de cada coisa no universo. Ele então não deixará de lutar ou de viver neste mundo entre as coisas deste mundo, mas ele estará entre elas iluminado, com uma justa hierarquização.

Não será que o amor não possa ser vivido também assim? Não será que o amor a alguém em particular não possa ser incluído numa justa hierarquia, na iluminação, sem que se torne obstáculo para o conhecimento de nossa verdadeira natureza?

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